Início Especiais NOVOS LOTEAMENTOS AMEAÇAM PATRIMÔNIO DE TIRADENTES, DIZ HISTORIADOR

NOVOS LOTEAMENTOS AMEAÇAM PATRIMÔNIO DE TIRADENTES, DIZ HISTORIADOR

Obras de terraplenagem em loteamento. Foto: Luiz Cruz / Cedida ao NG

Wanderson Nascimento
Notícias Gerais

Em uma série de postagens a respeito da especulação imobiliária em Tiradentes, o professor e pesquisador tiradentino Luiz Cruz destaca os riscos do crescimento desordenado da cidade para seu patrimônio histórico e cultural, além de ameaçar áreas de preservação ambiental. Ele cita especificamente o loteamento Tiradentes Ville, antigo Residencial Vila da Serra, com 246 lotes e uma área total de quase 230.000 m².

Segundo o historiador, tal empreendimento causa impactos muito expressivos no município, pois está sendo construído nos limites das unidades de conservação ambiental, inclusive devastando uma área considerada de amortecimento do RVS – Refúgio Estadual de Vida Silvestre Libélulas da Serra de São José.

Luiz também denuncia uma suposta omissão de órgãos públicos diante da situação, que, segundo ele, ameaça a proteção do conjunto arquitetônico e paisagístico da cidade.

Histórico do loteamento

Segundo informações divulgadas pelo próprio Luiz Cruz, que realizou uma série de pesquisas sobre o histórico do empreendimento, o loteamento foi aprovado pela Lei Municipal 3.003, de 31 de março de 2016, sendo votado na Câmara de Vereadores e tendo a promulgação pelo prefeito da época, Ralph Justino.

De acordo com Luiz, em 17 de janeiro de 2019, já na gestão do prefeito José Antônio do Nascimento (Zé Antônio do Pacu), o Ministério Público Federal – Procuradoria da República no Município de São João del-Rei/Lavras, encaminhou à Prefeitura Municipal de Tiradentes e à Câmara Municipal de Tiradentes uma recomendação para que o prefeito adotasse todas as medidas necessárias para a contratação de profissionais habilitados para a aprovação, acompanhamento e fiscalização de projetos de parcelamento do solo e edificações, inclusive relativos ao patrimônio histórico-cultural e ambiental.

A recomendação também solicitava que o gestor se abstivesse de fazer tramitar ou apreciar requerimentos de aprovação de projetos privados para o parcelamento do solo (incluído aí loteamentos, condomínios, desmembramentos etc), até que fossem elaborados os planos de infraestrutura do município, e estruturado o setor específico para implementação do Plano Diretor.

O descumprimento às recomendações poderia implicar, inclusive, na responsabilização do gestor pela prática de ato de improbidade administrativa, crimes de responsabilidade, e prevaricação, com pena até de cassação de mandato.

Em ofício encaminhado ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), o prefeito Zé Antônio informou que o loteamento possuía aprovação municipal vigente, conforme diretrizes previstas no Plano Diretor. O empreendimento apresentou toda a documentação exigida para fins de legalização e foi aprovado pelos conselhos e secretarias responsáveis, estando apto à sua implantação.

A reportagem do Notícias Gerais entrou em contato com Zé Antônio do Pacu, mas não obteve resposta até o fechamento dessa matéria.

De acordo com Luiz, os procedimentos para aprovação e implantação do loteamento foram realizados sem cumprir os trâmites legais e apreciação do Conselho Municipal de Defesa e Conservação do Meio Ambiente (CODEMA), Conselho Municipal de Desenvolvimento Urbano (COMDUR) e Conselho Municipal de Políticas Culturais e Patrimônio (CMPCP), ainda sem a realização de audiência pública para o conhecimento da comunidade; bem como a análise do órgão gestor das unidades de conservação da Serra de São José, que é o Instituto Estadual de Florestas-MG (IEF).

“Os instrumentos para a proteção e defesa do noss patrimônio ambiental e cultural estão devidamente aprovados e disponíveis, para implantá-los. Se faz necessário ter vontade política e formar um quadro de profissionais. Devemos exigir o cumprimento dos instrumentos preservacionistas”, destaca Luiz Cruz.

O que diz o ex-prefeito

Em entrevista ao NG, o ex-prefeito Ralph Justino falou sobre o empreendimento, que foi aprovado em sua gestão, de 2013 a 2016.

Ralph defende que os loteamentos novos são importantes para o crescimento e desenvolvimento do município, desde que respeitem o Plano Diretor, que foi desenvolvido e aprovado em sua gestão. “Tiradentes, por muitos anos, ficou esquecida por causa da proximidade com São João del-Rei, que acabou recebendo mais o impacto do crescimento”, declara.

Segundo o ex-prefeito, a cidade enfrentou problemas com bairros sendo criados sem planejamento, como o Alto da Torre, Várzea de Baixo, Prainha, Cuiabá e Mococa, nos quais o município doava os lotes. Em seguida, houve outros loteamentos como Parque das Abelhas, que não teve suas ruas calçadas pelo empreendedor, depois veio o Loteamento Parque dos Bandeirantes, Terra dos Cuiabás e Quinta Imperial, que foram os primeiros a serem feitos de maneira profissional com os empreendedores entregando totalmente acabado.

Ele explica que no início dos anos 2000 o Ministério Público proibiu a construção de novos empreendimentos até que o município tivesse um Plano Diretor, então, em sua gestão, ele decidiu desenvolver e aprovar o Plano Diretor, que foi realizado pela Fundação João Pinheiro, de Belo Horizonte.

“A elaboração do Plano Diretor durou quase dois anos para a sua finalização e teve uma grande consulta não só da população, mas também em todos os departamentos da prefeitura, da Câmara e participação dos empresários”, declara.

Segundo Ralph, a regulamentação para construção de novos empreendimentos gerou muitos benefícios para o município, que foram inclusive sentidos na administração posterior, com aumento da arrecadação. “A receita com o crescimento da cidade era a única opção para que a prefeitura pudesse se equilibrar. Além de gerar muitos empregos nas construções e na parte de serviços”, pontua.

Análise e aprovação do loteamento

O ex-prefeito Ralph Justino explica que o empreendimento foi aprovado no último ano de sua administração, já com o novo Plano Diretor e seguindo as novas regras, como utilizar as áreas de expansão urbana.

“Nosso engenheiro recebia os projetos e analisava se ele estava dentro das normas, depois disso ia para a aprovação da câmara e só depois eu assinava a aprovação”, destaca, emendando que depois, segundo o Plano Diretor, para a sua aprovação final e autorização de início da execução da obra, o projeto tinha que passar pelo CODEMA e pelo COMDUR, para aprovar a expansão urbana e acompanhar o planejamento da cidade. Depois, com a determinação do MPF, foi obrigado também a aprovação pelo IPHAN.

Compensação pela empresa

Ralph explica que, para ter seu projeto aprovado, a empresa precisava fornecer algumas compensações sociais e ambientais. De acordo com ele, além das obrigações de praxe, como repassar parte de áreas para o município e seguir as regras da Secretaria de Meio Ambiente Estadual e IEF, em sua gestão foi exigido um benefício a mais dos novos empreendimentos.

“Para a segunda etapa dos loteamentos Parque dos Bandeirantes, o proprietário foi obrigado a construir o Arquivo Municipal, que fica em frente a nova prefeitura e o Terra dos Cuiabás; calçou e implantou redes pluviais na rua da APAE, que sai do Parque das abelhas até a entrada do loteamento antigo”, destaca.

Ex-prefeito defende novos loteamentos

Ralph reafirma seu apoio à construção de novos loteamentos. Segundo ele, os empreendimentos criam muitos empregos e geram uma receita muito importante para o município, por meio dos impostos do Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) e do Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis (ITBI), que são os dois principais depois do Fundo de Participação dos Municípios (FPM).

“Mas quero deixar claro que todos devem ser fiscalizados para que cumpram as regras do Plano Diretor, antes do plano do loteamento”, destaca, citando como exmplo as Águas Santas, onde os empreendedores não tinham uma lei que os obrigavam a finalizar a infraestrutura e tem, até hoje, ruas sem calçamento, esgoto e águas pluviais; e a Várzea de Baixo, que expandiu para uma área de alagamento e seus moradores não tem o loteamento aprovado e não podem ter os registros dos seus imóveis.

De acordo com Ralph, houve um grande crescimento de novos empreendimentos nos últimos anos devido à demanda reprimida pela primeira decisão do MPF de só deixar novos loteamentos depois da aprovação do Plano Diretor, que demorou alguns governos.

Ele também atribui esse crescimento ao fato do turismo ter-se ampliado muito em Tiradentes, com a criação dos eventos e melhoria da qualidade de vida da cidade. Mesmo assim, segundo ele, esses novos loteamentos não tiveram as vendas tão grandes e a maioria teve poucas construções acabadas.

Ralph finaliza declarando que o próprio mercado deve regular essa expansão, e argumenta que o município não dispõe de muitas áreas para expansão de acordo com o Plano Diretor. “De um lado temos a Serra de São José e seu entorno com a mata Atlântica e, do outro lado, depois da ponte do Elvas, já pertence a São João del-Rei”, conclui.

Empresa não se manifestou

A reportagem do NG tentou entrar em contato com a empresa Tiradentes Ville pelo Instagram, mas o perfil do repórter foi bloqueado pelo perfil oficial após o envio da solicitação de entrevista.

O portal segue disponível para ouvir algum possível posicionamento.

Análise de novos loteamentos será interrompida

De acordo com o secretário de finanças da Prefeitura de Tiradentes, Denilson Silva, existem outros empreendimentos que estão em estudo de impacto, o que, segundo o plano diretor, é o primeiro passo para aprovação de um novo loteamento na cidade.

Ele explica que existem dois loteamentos em estudo, sendo um de pequeno porte, com oito lotes, no bairro Cuiabá, e um de grande porte, com mais de 300 áreas desmembradas, localizado no bairro Candonga.

No entanto, essa análise será interrompida por meio de Decreto Municipal, que deverá ser publicado no próximo dia 1º de agosto pelo prefeito Nilzio Barbosa (MDB). Segundo o secretário de finanças, a partir dessa data não será dado nenhum andamento em projetos de loteamentos, atendendo às recomendações do Ministério Público Federal.

Ele destaca, inclusive, que o loteamento maior citado acima, com 300 áreas, teve seu estudo de impacto indeferido. Os outros dois ficarão paralisados durante a validade do decreto, que será de 180 dias.

Condur

Membro do Conselho Municipal de Desenvolvimento Urbano, Antônio Proença destaca que, como cidadão e como integrante do conselho, entende e defende que a lei é para ser cumprida. “Defendi, defendo e continuarei a defender a aplicação legal das leis que digam respeito ao Plano Diretor Municipal observando sempre as RECOMENDAÇÕES N° 1 e N° 2 emitidas em 17 de janeiro de 2019 e seus considerandos”, declara.

Vereador se manifesta

O líder do Executivo na Câmara, vereador Juninho Barbosa (MDB), se manifestou sobre a situação, afirmando que o empreendimento foi devidamente aprovado e se comprometendo a fiscalizar quaisquer irregularidades.

“Esse empreendimento foi aprovado pelos conselhos, IPHAN e Câmara Municipal. Se houver algo de ilegal nesse empreendimento, pode ter certeza que a administração municipal irá informar ao Ministério Público, que informará o empreendimento. Informo que dependendo de mim, irei trabalhar sempre em prol da cidade, sem prejudicar nossa população e nossa cidade”, destacou.

Internautas têm opiniões divididas

As publicações do historiador Luiz Cruz ganharam muita repercussão no Facebook e deram origem a muitos comentários, dividindo os internautas entre aqueles que são favoráveis e outros contrários a novos loteamentos no município. Confira alguns deles:

  • Ressalto que Tiradentes precisa ter desenvolvimento urbano, controlado, agora não podemos congelar a Cidade Tiradentes. Centro histórico está belíssimo, Serra São José preservada, controlado impacto ambiental, agora desenvolvimento e Mundial, ou vocês querem colocar Tiradentes inteira num casulo. Parabéns, ao Instituto histórico e geográfico Tiradentes por vosso trabalho, maestria em gestão histórica. Reflexão!
  • Em resumo, pessoas com cargo e descomprissadas com a cidade, matando a galinha de ouro… Loteamentos devem ser implementado mas com responsabilidade de todos envolvidos, principalmente o poder público, e a Câmara Municipal existe para fiscalizar, atuar e e preciso for mudar a legislação no que concerne a responsabilidade municipal…Mas o que vão ouvir, é que que foi os outros que aprovaram e nada podemos fazer…E assim a cidade vai perdendo sua qualidade de vida, e do seu turísticos…Quem analisou o impacto de um loteamento com mais de 200 lotes, em todos os segmentos, social, econômico, na saúde, ambiental…???
  • Acho engraçado algumas pessoas usarem esse discurso de que tem tem licença ambiental para legitimar os danos ambientais com uma suposta conciliação entre empreendimentos e conservação. Órgãos ambientais na boa parte das vezes libera legalmente a destruição de diversos ambientes. Podemos mencionar aqui, o exemplo da Mineradora Ômega que está carcomendo parte da Serra de São José há décadas, e claro, matando vários trabalhadores por causa da sílica. Ou seja, existe licença para desmatar, para destruir paisagens, para fazer barragens de rejeitos que vive arrebentando por aí e matando centenas de pessoas etc. Existe um monte de empreendimentos com licença ambiental com ares de boas práticas e sustentabilidade causando enormes danos ambientais por aí.
  • Parabéns pela denúncia e esclarecimentos. Infelizmente parece que o objetivo dos Prefeitos e Vereadores e destruir a cidade. Que aliás, na sua atual situação, já é de precariedade na sua infraestrutura urbana. Prova maior disso (e sempre reclamada por quem visita a cidade), e que vem de anos é que não estão dando conta nem de despoluir o ribeirão Santo Antônio que corta a cidade e recebe esgoto sem tratamento. E só ir lá ver. Ninguém se importa. E só lucrar com a beleza da cidade e da sua paisagem. Mas se o MP está sendo desobedecido e fica por isso mesmo. Acho que você deveria procurar um Escritorio de Advogados para ver o que pode ser tentado. Falar aqui é importante. Mas do jeito que esté, virou questão pra discutir na justiça e com bons advogados. Aliés, muitos tem casa aé em Tiradentes como você bem sabe. Será que ninguém se dispõe a ajudar?
  • Está dentro da área de expansão da cidade, como todos os bairros em Tiradentes surgiram, só tínhamos o centro histórico onde praticamente todos moravam , famílias numerosas , o centro histórico praticamente hoje não tem moradores tiradentinos, e tevê que surgir novos bairros para que essas famílias construísse, e nem por isso nossa cidade foi descaracterizada , e hoje e a mesma coisa ou surge novos bairro ou nossos filhos vão embora para as cidades de pedras e arranha céus. Hoje a uma deturpação a esse tipo de empreendimentos imobiliários, a parte histórica e a preservação da APA da serra São José e sua mata Atlântica esta sendo preservada, agora em seus arredores tem que crescer e se desenvolver dentro das normas de prevenção, urbanizações e paisagismo, assim surgiu o bairro do cascalho do pacu,da várzea de baixo da Mococa pra onde foram a maioridos tiradentinos, da torre ,do Cuiabá 1 e 2 , do pau de óleo, do terra dos Cuiabá ,dos Bandeirantes, parques das abelhas, canjica, da estação assim sucessivamente, Tiradentes a sua população local vivia do ourives, da agropecuária, da agricultura, e hoje vive do turismo. Mas a cidade tem e deve continuar a crescendo ou pare de ter família, que é impossível.. Tiradentes protegida economicamente, ecologicamente, crescimento urbano e organizado, e tudo no final sera verde . Pense bem onde vão colocar seus filhos.. ficam em Tiradentes ou vão embora como nos anos 80. A lei não e pra impedir e sim organizar que o certo seja feito. Ou então terá que proibir as pessoas de outras regiões a vir pra cá morar ,comprar e residir aqui , onde coloca – las, mas todos tem o direito de ir e vir e de habitar onde lhe for conveniente… abraços, parabéns ao IPHAN, CONTUR , CODEMA, CONDUR ,IEF e demais órgãos por nos ajudar a crescer com sustentabilidade organização…
  • Parabéns por esclarecer e alertar, dando nome aos fatos e fisionomia histórica ao presente. O próximo passo é fazer da indignação um fato político. Precisamos do apoio de Escritorio de advocacia, como mencionado acima por André Dangelo, para barrar agora este e outros absurdo que estão sendo gestados com a conivência de uma da destruição em prol de interesses privados de uma minoria.

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