Início Cultura GUIA CINÉFILO: SERGIO RICARDO, O HOMEM QUE CANTOU O CINEMA BRASILEIRO

GUIA CINÉFILO: SERGIO RICARDO, O HOMEM QUE CANTOU O CINEMA BRASILEIRO

Sérgio Ricardo (divulgação)

Lucas Maranhão *

Na última quinta-feira, 23, Sérgio Ricardo partiu e nos deixou – solitários – com uma carreira de mais de 60 anos para admirar. Uma história enorme na música que começou na bossa nova, mas perpassou por diversos movimentos. Inclusive, com uma contribuição inestimável para o cinema, assinando diversas trilhas sonoras e, até mesmo, dirigindo alguns filmes.

Sem dúvida, seu maior impacto no audiovisual foi sua parceria com Glauber Rocha e o Cinema Novo (que lembramos em texto recente desta coluna). O grande diferencial de Sérgio Ricardo era usar as composições como parte narrativa do filme. As músicas não só criavam uma atmosfera particular, mas também contavam história. Glauber Rocha sabia bem disso e usava ao seu favor. 

Em uma entrevista, o famoso diretor (e também historiador do cinema) Martin Scorsese ressalta este mesmo ponto ao analisar O Dragão da Maldade contra o Santo Guerreiro (1969). Ver um gênio como Scorsese falando com tanta paixão sobre nosso cinema nos faz pensar o quão pouco nos valorizamos.

Toda a trilha de Deus e o Diabo na Terra do Sol (1964) é impecável pelo seu apelo narrativo. O tema de Manuel e Rosa nos introduz aos protagonistas e ao seu encontro com o profeta Sebastião: “Manuel e Rosa / Vivia no sertão / Trabalhando a terra / Com as própria mão / Até que um dia – pelo sim pelo não – / Entrou na vida deles / O santo Sebastião”.

E, posteriormente, ao encontro do casal com o cangaceiro Corisco, com uma rima que interliga os dois momentos do filme: “Andou Manuel e Rosa / Pelas veredas do sertão / Até que um dia – pelo sim pelo não – / Entrou na vida deles Corisco / o diabo de Lampião”.

Confira a trilha sonora completa de Deus e o Diabo na Terra do Sol (1964)

Também é em Deus e o Diabo na Terra do Sol (1964) que ouvimos pela primeira vez o tema de Antônio das Mortes, que se repete em O Dragão da Maldade contra o Santo Guerreiro (1969). Com o tempo, a música ficou intimamente ligada ao personagem – ajudando a tornar icônica uma das principais criações de Glauber Rocha. “Jurando em dez estrelas / Sem santo Padroeiro / Antônio das Mortes / Matador de cangaceiro”.

Sua aparição mais recente nas telonas foi em Bacurau (2019). Na obra de Kléber Mendonça Filho e Juliano Dornelles, um dos maiores acertos dos diretores foi renascer uma canção de Sérgio Ricardo chamada Bichos da Noite – originalmente criada para o filme O Coronel de Macambira (1966). “São muitas horas da noite / São horas do bacurau / Jaguar avança dançando / Dançam caipora e babau”. A música aparece em momento chave da introdução do filme e se encaixa perfeitamente com o roteiro de Kléber e Juliano.

Bichos Da Noite de O Coronel De Macambira (1966) e Bacurau (2019)

A voz inconfundível e os versos simples, mas carregados de significados, fazem de Sérgio Ricardo uma presença onipresente na cultura brasileira. Há diversas formas de admirar o artista: o expoente da bossa nova, o autor de canções de protesto contra a ditadura militar, o impulsivo que quebrou um violão no Festival da Canção de 1967 – após ser vaiado. Neste texto, nós apenas tentamos encontrar a nossa forma. 

Não deixemos nossa cultura morrer. Ela é recheada de tesouros.

  • É jornalista, designer e apaixonado por cinema.

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui