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TREM DE MINAS: A MARIA FUMAÇA PARTIU DO SERTÃO DE MINAS… E FOI PARAR NA ROTA SÃO LUIZ-TEREZINA!

Najla Passos *

Esta semana, a coluna Trem de Minas pegou uma rota bem mais longa do que de costume. Deixou de lado as histórias dos trens mineiros – e de toda a cultura que os envolvem – e foi parar em São Luiz do Maranhão, terra do escritor, jornalista e professor da Universidade Federal do Oeste do Pará (UFOPA), Rogério Almeida, que aceitou o nosso convite para contar as histórias do trem que povoam suas memórias afetivas.

Confira!

O trem danou-se naquelas brenhas: de São Luís-Teresina

O escritor Rogério Almeida, que aceitou o convite do Notícias Gerais para contar uma das suas histórias de trens aqui na coluna Trem de Minas.
Foto: Arquivo pessoal

Rogério Almeida

“O trem danou-se naquelas brenhas/Soltando brasa, comendo lenha/Comendo lenha e soltando brasa/Tanto queima como atrasa”, entoa a canção de João, que tem Vale no sobrenome.

O poeta de Pedreiras, sertão maranhense, cunhou os versos em homenagem a Ferrovia São Luís-Teresina, iniciativa administrada pela Rede Ferroviária Federal S/A (Reffsa), responsável pela gestão das vias férreas país afora, que teve as operações encerradas em 2007.   

Os versos de Vale descrevem a dinâmica da Maria Fumaça, a locomotiva importada da Alemanha, responsável por conduzir o trem. Em “tanto queima como atrasa” o poeta narra a imprecisão do horário da chegada do veículo nas estações, bem como o combustível que movia a máquina, a lenha, nos dias de hoje, algo ambientalmente condenável.

Em dias distantes, nos primevos anos da dinamização do capitalismo estadunidense, a ferrovia representou um salto para “a conquista do Oeste”.  No tempo da TV à válvula, em preto e branco, os filmes de faroeste celebravam “modernização” da conquista da fronteira.  A chegada da “civilização”, a “supremacia” do homem branco sobre os povos indígenas.

Por conta desta influência da indústria cultural, em São Luís, blocos de carnaval batizados com nomes de tribos indígenas ganham as ruas: Apache, Comanche e Siuox são agremiações que lembro bem.  Elas datam dos anos de 1940, quando já pulsava a Transnordestina, como ficou conhecida a ferrovia tempos depois. Além das brincadeiras de nomes alienígenas, tem-se os povos indígenas locais, a exemplo de Carajás e Timbiras.

A ferrovia São Luís-Teresina era considerada de pequeno porte, um pouco mais de 400km, que nos anos iniciais do século XX, no entremeio de Guerras, a ferrovia já reconfigurava o sertão maranhense e piauiense, a dialogar com o fluxo de mercadorias dos rios Itapecuru (MA) e Parnaíba (PI).

Sobre estas geografias da ferrovia, a canção de Vale expressa: “ Peguei o trem em Teresina/Pra São Luiz do Maranhão/Atravessei o Parnaíba/Ai, ai que dor no coração”.  Noutra parte invoca a cidade de Caxias, palco onde se deu a Balaiada, insurreição do período colonial: “Bom dia Caxias/Terra morena de Gonçalves Dias/Dona Sinhá avisa pra seu Dá/Que eu tô muito avexado/Dessa vez não vou ficar”.

A ferrovia nasceu no contexto de transição da economia do estado, quando no século XIX, ele representou um importante polo produtor de algodão, arroz e óleo de babaçu, em particular nas cidades de Caxias e Codó, como esclarece artigo publicado no site do IPHA, de Diogo Gualhardo Neves.

Antigo prédio da estação ferroviária de Rosário (MA), município próximo a São Luís.
Foto: Maurício Petinatto Lúcio/2009.

Ainda conforme o pesquisador, as culturas incentivadas sob a influência do Marquês de Pombal chegaram a abastecer o mercado nordestino, das Minas Gerais, alcançando mesmo o mercado externo, por conta da Guerra da Secessão. Neste mesmo período São Luís e cidades do interior representavam importantes polos fabris. No bairro da Madre Deus, uma antiga estrutura – Fábrica Cânhamo – abriga nos dias de hoje um centro de artesanato e serve de palco aberto para espetáculos culturais. 

Fontes: Maurício Petinatto Lúcio; IPHAN; Brazil Ferrocarril, 1915; Enciclopédia dos Municípios Brasileiros, IBGE, 1957-9; Guias Levi, 1932-80; Guia Geral das Estradas de Ferro do Brasil, 1960; Mapa – acervo R. M. Giesbrecht.

A via férrea exerceu grande influência na cidade de São Luís. Ter assento na empresa Reffsa era sinônimo de bom soldo, status nas cercanias onde morava, fiado na mercearia, os móveis mais modernosos da época, como a radiola e a TV.  

Possuir tais bens era sinônimo de diferenciação de classe. Zé Cabral, vizinho, um negro forte, pai de uns cinco rebentos, labutava na Reffsa.  Era um dos que tinha a janela ocupada pelas crianças desprovidas de TV. A festa de aniversário na casa de Zé era a mais concorrida do bairro. Quitutes e refrigerantes abundavam.  O combo Alma de Flores, perfumaria da época, representava a coqueluche, consistia em colônia, sabonete e talco.

Assim como Cabral, a minha avó materna, dona Maria do Carmo, se defendia como enfermeira na Reffsa. Ducarmo, em tarde ensolarada de um domingo, veio à óbito em trajes de missa, acometida por fulminante infarto. Partiu jovem, na casa dos 50 anos, quando eu ainda não existia.  

A casa onde fui criado era da avó. Ficava a rua da Viração, onde nasceu o poeta Ferreira Gullar. O   perímetro representava um espaço de outros escritores, a exemplo do poeta de origem portuguesa, o jornalista Bandeira Tribuzi, que morava em confronte com o celebre poeta Nauro Machado.

No Centro de São Luís, à avenida Beira Mar, às margens do Atlântico, uma estação de trem edificada nos anos de 1920, batizada como Estão João Pessoa, ainda resiste. Até outro dia, o belo prédio abrigava uma delegacia de polícia, quando podia servir de um excelente espaço dedicado à cultura, tanto por conta da bela arquitetura, quanto pela excelente localização. Desde 2013 existe um projeto para este fim.  

Fonte: Redes sociais

Quando pequeno, no bairro da Camboa, ainda foi possível ver e embarcar de forma momentânea no trem, quando o mesmo cortava o campo de futebol, no caminho que leva ao bairro da Liberdade.  O mesmo bairro abrigava pequenos portos onde circulavam produtos das comunidades rurais próximas. Lembro do comercio de carvão, pequenos animais, e quetais.

Camboa, Liberdade, Fé em Deus e Diamante representam um território de preto. Os bairros abrigam inúmeras manifestações culturais de matriz africana. Por conta desta configuração, o conjunto foi reconhecido como quilombo urbano pela Fundação Palmares no ano passado, à guisa de toda sorte da coordenação da instituição.   

Sobre o antigo e precário campo de futebol do bairro foi erguida uma ponte para ligar a cidade antiga de São Luís às áreas de expansão da especulação imobiliária, e ela nomeada como Ponte Ferreira Gullar. A ponte corre em paralelo com uma mais antiga, a do São Francisco, que oficialmente fora batizada como José Sarney, que felizmente,  ninguém a reconhece como tal.

A Reffsa ganhou os campos de futebol. O Ferroviário Esporte Clube nasceu em setembro de 1941, bancado pelos funcionários da empresa, e tinha como apelido Ferrin. A agremiação começou a participar dos certames oficiais do campeonato maranhense somente em 1954.

Ferroviário Esporte Clube – Fonte: blog do professor Hugo Saraiva – futebol antigo maranhense.

A primeira participação foi um desastre, conta blogue dedicado à história do futebol maranhense, assinado pelo professor de educação física Hugo Saraiva. O esquadrão perdeu todos os jogos. No entanto, alcançou o primeiro título estadual no de 1957, e em seguida em 1973, e foi vice campeão nos anos de 75 e 76.

Sobre os processos de troca de controle da ferrovia que colaborou para evitar o colapso total da economia do estado, o artigo de Neves esclarece que em 1957 ela passou a ser incorporada a Reffsa, e em 1965, durante o estado de exceção, para o controle da Estrada de Ferro Central do Piauí. |Já no calor dos anos 1990, marcado pelo avanço das políticas neoliberais, cuja ordem do dia, – assim como hoje -, é privatizar, passou às mãos da Companhia Ferroviária do Nordeste.

Foto antiga da Estação Ferroviária de São Luís, reproduzida do artigo de Gualhardo Neves.

“Alô Coroatá, os cearenses acabam de chegar/Pra meus irmãos uma safra bem feliz/
Vocês vão para pedreiras e eu vou pra São Luis”, arremata os versos do poeta negro João do Vale, que ao lado de Zé Keti, Nara Leão, – no primeiro momento -, e Maria Bethânia em seguida,  protagonizaram um dos momentos mais relevantes do cancioneiro nacional e da luta popular, o show Opinião, sob a direção de Augusto Boal, num dezembro de 1964.

* Najla Passos é mineira, jornalista, mestra em Linguagens e Literatura Brasileira e diretora-executiva do Notícias Gerais. Publica a coluna Trem de Minas todos os sábados.

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