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PRÓXIMA TENDÊNCIA: O FIM, DE NOVO, PARA O NOVO

Carol Oliveira*

Eu tenho a impressão de que a moda fica muito mais em pauta no último mês do ano do que em qualquer outro. Os looks de Natal e de Ano Novo estampam as vitrines, os clássicos vermelho e branco, em novos recortes, formas, modelos e tendências. E adquirir aquela peça é como reconstruir uma memória afetiva, de estar reunido com a família na ceia ou com os amigos comemorando o início de um novo ciclo. Mas, esse ano, talvez os tons estejam alternando entre preto e cinza, ofuscando todo o brilho que estávamos acostumados até esse momento.

Eu realmente gosto dessas duas cores e a maioria do meu armário é composta por elas, mas sabemos que, desde que o mundo é mundo, elas estão associadas ao luto. Na verdade, em uma breve pesquisa, isso tudo começou lá na Idade Média. De acordo com o Família de Devotos, nessa época, as doenças que matavam milhares de pessoas no período e as torturas impostas, aumentavam a percepção da morte como um processo doloroso. A Idade Média ficou conhecida como “mil anos de escuridão”, logo a cor preta vem para simbolizar este período. 

Foto: A cantora Amy Winehouse no clipe da música Back to Black, que trata sobre despedida e luto.

Porém, essa é uma questão cultural. O roxo, por exemplo, era utilizado pela Tailândia e pela cultura ocidental para demonstrar, além do luto, a dor da perda de um ente querido. O branco, tanto na Índia, quanto na China e no Japão, é utilizado para demonstrar o luto pela perda de familiares e amigos. O amarelo era utilizado pelo povo do Egito para demonstrar luto e sofrimento pela perda, remetendo às flores secas que caem das árvores, simbolizando as lágrimas ao chorar pelas saudades da pessoa falecida. E assim como o azul-celeste, vermelho e outras cores expressam as dores de cada povo pelo mesmo sentimento, infelizmente, compartilhado: o da morte.

Até o presente momento em que escrevo minha última coluna do ano, são contabilizadas 1.704.065 mortes pela Covid-19 no mundo. Eu penso em cada uma dessas cores ao redor do globo, se unindo como um arco-íris que aparece depois de uma chuva forte. Minha primeira abordagem aqui foi sobre qual seria a próxima tendência em tempos de pandemia. E eu lembro de ter ressaltado a importância de uma moda mais sustentável, mais engajada politicamente, mais inclusiva, mais libertadora mas agora, alguns meses depois, o que eu realmente espero é que ela seja mais empática.

Grifes produzindo máscaras e as colocando à venda por preços exorbitantes, marcas e revistas apresentando esse acessório como mero apetrecho luxuoso independente da sua eficácia em realmente proteger (como o que aconteceu com a grife feminina PrettyLittleThings, que lançou máscaras fashion inspiradas em redes de pesca, com fios unidos por pedrinhas imitando diamantes), o lucro e o luxo acima de qualquer outra coisa são assuntos seriamente questionáveis quando tantas vidas são perdidas, e não há dinheiro no mundo que as compre de volta.

Foto: Reprodução.

Meu ponto para o final desse ano não é sobre a indústria ou como podemos impactá-la com ações positivas, o quanto devemos cobrar, o que devemos ou não fazer – nesse momento em que todos estamos tão esgotados fisicamente e psicologicamente, o que nos resta é o autocuidado. Palavra tão usada nesse ano, muito além de se mimar com compras ou cuidar do lado externo do corpo, é olhar para dentro, o que podemos tirar de lição, como podemos cuidar dos nossos e construir uma teia de carinho e proteção pra quem continua aqui, em todas as lutas cotidianas que enfrentamos juntos.

Mesmo que o vermelho não seja tão vibrante o branco não tão reluzente, com cadeiras que antes estavam ocupadas e agora estão vagas à mesa, as comemorações distantes dos abraços e se contentando com uma tela, as velhas roupas já não servem tão bem e as memórias muitas vezes parecem impossíveis de serem construídas em cima de esperança, não devemos deixar esse momento passar batido. A próxima tendência é continuar a acreditar em novos ciclos.

Releitura do pintor e escultor Di Farias do quadro “Os amantes”, de René Magrite.

* Carol Oliveira é jornalista, meio perdida e meio achada no universo da moda, dos games e da música. Comunicadora e comunicativa, é perigoso um dia acabar conversando com as paredes. São-joanense, amante de um bom café com pão de queijo e uma prosa, traduz sua visão de mundo por meio das palavras e do audiovisual. Publica a coluna Próxima Tendência quinzenalmente no Notícias Gerais.

2 COMENTÁRIOS

  1. que texto incrível! sem palavras pra descrever a maneira como esse texto me tocou e ao mesmo tempo me fez refletir tanto. a indústria da moda precisa ser repensada e mais humanizada, não adianta camisetas estamparem a palavra “empatia” e as grifes ignorarem a realidade do planeta.

  2. Maravilhosa a abordagem “empática” de uma moda com tendências mais racionais e inclusivas. A moda continua “na moda” no entanto, certamente há valores maiores que devem ser priorizados como muito bem abordado na matéria. Muito interessante também a pesquisa sobre as cores e sua relação com as expectativas para um novo ano. Parabéns !

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