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PARA CUIDAR DE CRIANÇAS COM DEFICIÊNCIA NO ISOLAMENTO, PAIS, PROFISSIONAIS E INSTITUIÇÕES SE REINVENTAM

Dos 95 alunos da APAE de Tiradentes, 55 estão participando das atividades pedagógicas online. (Foto: APAE Tiradentes/Divulgação)

Carol Rodrigues
Notícias Gerais

O período de confinamento por conta da Covid-19 é desafiador para qualquer família com crianças, mas quando os pequenos apresentam algum transtorno ou síndrome, a situação pode ser ainda mais complicada. As dificuldades vêm tanto para os pais, que precisam aprender a lidar com os filhos constantemente dentro de casa, quanto para as próprias crianças, que são privadas das terapias regulares e também de uma rotina já estabelecida. Mas nem tudo são problemas, esse período pode ser uma forma de aprofundar mais a orientação parental.  

Mas porque a alteração na rotina pode ser tão difícil? “São crianças que precisam de rotina mais complexa para conseguirem se organizar no dia a dia, então essa quebra sem previsibilidade, sem antecipação, pode ser muito desorganizadora”, explica Maíra Meimes, psicóloga e mestre em Psicologia do Desenvolvimento. Com a quarentena, as atividades regulares precisaram ser interrompidas e, dessa forma, as crianças ficaram sem frequentar as terapias como as quais estavam acostumadas. 

Com os pequenos constantemente dentro de casa, os pais precisam aprender a lidar de forma mais complexa com o comportamento dos filhos, principalmente aqueles que apresentam sintomas mais fortes. Crianças com deficiência mental podem ter muitas dificuldades, inclusive de brincar, em demonstrar interesse nas atividades, de interagir socialmente e podem se desorganizar com muita facilidade. 

“A dificuldade dos pais é saber manejar esse comportamento dos filhos, que é algo que é desafiador sempre – mas que em um contexto de confinamento em que não tem para onde ir, que não pode sair de casa, que ninguém pode ir para casa deles auxiliar – é mais desafiador ainda”, relata Maíra Meimes. 

Dificuldades no lar

Fernanda de Castro tem dois filhos gêmeos que precisam de acompanhamento. Gui, de seis anos, tem Síndrome de West, que surge nos primeiros meses de vida da criança e é caracterizada por espasmos infantis, atraso do desenvolvimento e alteração específica no eletroencefalograma. Ela conta que, com a quarentena, o filho tem ficado muito agitado e mantê-lo dentro de casa tem sido um problema. 

“Gui não gosta de aglomerações, mas como tinha as terapias pela manhã e a escola a tarde, estava acostumado a sair. Ele chora na porta, puxa a maçaneta”, conta Fernanda. O menino fazia terapia ocupacional, fonoaudiologia e hidroterapia. Além da síndrome, Gui também tem uma doença crônica que afeta os pulmões, colocando-o no grupo de risco da Covid-19. Assim, sair de casa está fora de cogitação. 

A funcionária pública explica que, mesmo com o acompanhamento remoto da professora, a maior dificuldade são as tarefas da escola. “Essa parte de atividades sem movimento está sendo a  mais complicada, levando em consideração que o Gui não tem foco/atenção. Não segura nem o lápis sozinho e quando o forçamos para segurar é bem complicado, pois fica muito nervoso”, desabafa. 

Para tentar continuar com parte da terapia e aliviar o período de isolamento, a família levou um dos equipamentos e instalou uma rede dentro de casa. Assim, com o auxílio da terapeuta ocupacional, eles conseguem desenvolver algumas atividades, que são filmadas e enviadas para que a profissional possa avaliar. 

Com o auxilio do equipamento recém instalado, Gui consegue desenvolver algumas atividades.
(Foto: Arquivo pessoal)

Terapia online

O acompanhamento online é uma das formas de continuar o tratamento das crianças e evitar regressão no quadro clínico. “A gente pede para os pais filmarem eles sentados, brincando com os filhos e interagindo. Depois, no atendimento online que a gente faz com os pais, a gente analisa junto e faz ajustes terapêuticos técnicos de acordo com a demanda da criança”, explica a psicóloga Maíra Meimes. 

Assim, as famílias, junto com os terapeutas, conseguem trabalhar uma coisa que é muito importante, independente do contexto de isolamento: a orientação parental. É essencial que os pais conheçam a fundo os processos terapêuticos  dos filhos e aprendam a lidar com as crianças para até mesmo conseguirem reproduzir o que é feito na terapia dentro de casa. 

Os profissionais podem auxiliar os pais em um ambiente online, orientando como conseguir engajamento e motivação das crianças nas brincadeiras e aumentando o repertório de formas de brincar. Assim, as técnicas terapêuticas podem ser ajustadas nesse contexto de interação.  “A gente está podendo colocar mais ênfase nessa apropriação dos pais com relação à terapia dos seus filhos. É algo tão importante sempre, os pais saberem interagir, saberem brincar, serem mais protagonistas do desenvolvimento dos filhos”, relata a psicóloga. 

(Foto: APAE Tiradentes/Divulgação)

Rotina organizada

Outra forma importante de conseguir lidar com as crianças dentro de casa é manter uma rotina organizada, mesmo com o isolamento. É importante que os adultos consigam organizar o próprio dia a dia para, em seguida, sistematizar o da criança. “Essa antecipação, essa previsibilidade é o que a gente precisa para ter um ambiente e uma situação mais favorável para conseguir lidar melhor com os desafios desse momento, com os sintomas das crianças em confinamento”, completa a psicóloga.

Além disso, um recurso que pode ser muito valioso para os pais é a troca de experiências. Existem grupos e comunidades onlines formadas por pais, mães e cuidadores que podem ser ferramentas valiosas para compartilhar informações e relatos. Assim, as pessoas conseguem se ajudar mutuamente nos momentos de dificuldades. 

APAE mantém tratamento

A APAE de Tiradentes resolveu seguir essa linha de atendimento online para evitar que os alunos fiquem sem aulas e sem assistência clínica. Atualmente, a instituição atende 95 crianças e 55 delas estão participando das atividades a distância, que incluem acompanhamento com professores, psicólogos, fisioterapêutas, terapeutas ocupacionais, nutricionistas e fonoaudiólogos. 

Na área pedagógica, as professoras orientam os pais sobre formas de estudar em casa, exercícios relacionados às matérias e passam também tarefas simples para ajudar a orientar o dia a dia. Na área clínica, os profissionais marcam horários de acordo com a disponibilidade das famílias e fazem o acompanhamento, conversando e sugerindo atividades. 

Os profissionais da instituição estão usando recursos de vídeo para transmitir as aulas e fazer o acompanhamento clínico. Todos os dias as crianças recebem alguma atividade pela internet, normalmente na forma de vídeos curtos para conseguir prender a atenção. “Os pais estão adorando, eles estão aceitando bastante essa atividade e participando, pra eles, as atividades estão ajudando as crianças nesse período, estão ocupadas e entretidas”, conta Anadeisy Franco, presidente da APAE.

De acordo com a presidente, a intenção é evitar que ocorra regressão no quadro clínico dos assistidos nesse momento de quarentena. Durante o acompanhamento, os profissionais podem avaliar se algum caso precisa de atenção mais constante e fica mais fácil dar suporte à família. “O período de isolamento pode afetar as crianças, se a gente não tiver próximo delas pode acontecer uma regressão, às vezes na questão motora, na questão da fala, precisa de acompanhamento”, explica.

Além das aulas, a APAE também está ajudando as famílias na troca de informações, outra recomendação importante para os pais. A instituição criou grupos no Whatsapp para que pais e mães possam criar uma rede de apoio e compartilhar experiências. 

Mesmo que as dificuldades enfrentadas por crianças com deficiência mental e pelos pais sejam muitas no período de isolamento, existem ferramentas e formas de tornar o período mais leve. O conselho é que os cuidadores conversem com profissionais e mantenham rede de apoio com outras pessoas que estejam passando por situação semelhante. 

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