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ARTIGO: MEU FILHO DO CORAÇÃO

Por Keka Werneck *

O lugar mais profundo da gente é o coração. É lá a nossa casa emocional. Nesse meu lugar, brilha o sol de Miraí, onde nasci. Tem montanhas verdejantes, no entorno de casinhas, como a da minha infância. Outra hora, vem aquele chuvisco medonho e um frio de Juiz de Fora, onde morei por 11 anos e me formei jornalista.
Mudei de Minas há mais de 20 anos e adotei Mato Grosso para morar. Aí, no cenário do meu coração, somei o céu incomparável daqui e a natureza exótica. O calor que frita ovo no asfalto e o aconchego de um povo acolhedor, que não liga muito para etiquetas. Para quem não conhece, esta é a terra do Pantanal e da floresta amazônica e é também do agronegócio e do latifúndio, são fazendas e mais fazendas a perder de vista.
Adotar um lugar é interessante, porque a gente não deixa de ser uma coisa – mineira – para ser outra – cuiabana, sim eu moro na Capital. Na verdade, rola um somatório de gentílicos e sotaques: cuiabaneira – é o que sou hoje em dia, tão miraiense, quanto cuiabana, tão uai, quanto votê – expressões que significam quase o mesmo.
Pois foi nesse meu coração descrito acima, misturado de lugares e paisagens, que caiu um anjo.
Era um dia qualquer, final de tarde, quando o celular tocou. Do Juizado da Infância e da adolescência, avisavam que tinham lá um menino para eu e meu marido e minha filha conhecermos. Sim, estávamos na fila da adoção há 5 anos, um tempinho que parecia infinito, haja estrutura psicológica. O Judiciário castiga a gente com suas burocracias e as crianças, no meio disso, costumam crescer em abrigos. Ficam velhas, com 3, 5, 10 anos de idade. Olha o absurdo! Fomos conhecer o menino.

Foi amor à primeira vista e, com toda a dificuldade que o processo judicial de adoção traz, recomendo muito. Não tem nada, em meus 49 anos de vida, que valha mais ou faça mais sentido. Quando a gente se olha, eu e meu macaquinho, o magnetismo de quem se conhece e se ama flui.


Na sala da direção do abrigo, João entrou igual a um macaquinho amazônico, com as pernas enroscadas na cintura da cuidadora, 1 aninho apenas. Estava assustado, chupando dedo, abatido e pálido, porque no abrigo as crianças quase não saem, a não ser para consultas ou algo assim e por isso tomam pouco sol, até mesmo em Cuiabá, onde o sol é a única certeza da vida.
Quando colocaram o João no meu colo, chorei muito emocionada, coloquei a mão na cabecinha dele, rezei e foi nessa hora que ele entrou em meu coração, conduzido por uma luz, como se tivesse sido abduzido lá para dentro. Lá ele encontrou a maninha Helena e o papai Marcio, meu esposo. Meu coração ficou tão pleno, que passei a acreditar em Deus.
Foi amor à primeira vista e, com toda a dificuldade que o processo judicial de adoção traz, recomendo muito. Não tem nada, em meus 49 anos de vida, que valha mais ou faça mais sentido. Quando a gente se olha, eu e meu macaquinho, o magnetismo de quem se conhece e se ama flui.
João, que chegou em casa mudo e apático, é um guri esperto, perguntador, que fala de tudo, do jeito dele. Ri das minhas piadinhas e é também carinhoso, além de ter um temperamento determinado. Eu vejo muita força nele, que, infelizmente, nos descaminhos da vida, antes de nos encontrar, ficou cego de um olho. Uma responsabilidade que não carrego, mas melhor não julgar pessoas envolvidas em histórias difíceis de vida, muitas vezes.
Quando João crescer, caso queira conhecer sua família biológica, vou ajudá-lo, porque, assim como eu não deixei de ser mineira, ele também não deixará suas origens, após a a nova certidão de nascimento dele chegar, e isso está próximo de acontecer, com seu novo nome: João Miguel Werneck Carvalho da Cruz. Te amo, meu anjo.

*Keka Werneck é mineira de nascimento e cuiabana de coração, jornalista em Cuiabá e mãe do João Miguel e da Helena

1 COMENTÁRIO

  1. Parabéns Maria Tereza!
    Você é tão boa escritora e jornalista quanto é mãe!
    Feliz vida para vocês! Grande abraço no seu coração.

    Marisa Luz de Cataguases, Miraí e BH e aqui em Miraí de volta, por um tempo, até que os meus projetos me levem onde for minha missão.

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