Início Gerais Política MARKETING OU CONIVÊNCIA COM A NECROPOLÍTICA? UMA ANÁLISE DO CASO MARLUVAS

MARKETING OU CONIVÊNCIA COM A NECROPOLÍTICA? UMA ANÁLISE DO CASO MARLUVAS

Redação
Notícias Gerais

O Notícias Gerais publicou, na última quinta (17), uma reportagem sobre o vídeo que ganhou grande repercussão nas mídias sociais, no qual um gerente da Marluvas, empresa de equipamentos de segurança com matriz em Dores de Campos, presenteia o presidente Jair Bolsonaro (ex-PSL e atualmente sem partido) com pares de calçados, sendo um deles para ele andar de moto.

O hábito de Bolsonaro de usar esse meio de transporte para causar aglomerações de milhares de pessoas, nas “motociatas”, não aconselhadas durante a pandemia, tem sido repercutido pela imprensa nacional.

Esses atos trouxeram à tona o conceito de necropolítica – criado pelo filósofo, teórico político, historiador e intelectual camaronês Achille Mbembe para designar basicamente o poder de ditar quem pode viver e quem deve morrer.

Mbembe explica que, com esse termo, sua proposta era demonstrar as várias formas pelos quais, no mundo contemporâneo, existem estruturas com o objetivo de provocar a destruição de alguns grupos. Em relação a Bolsonaro, suas opiniões controversas influenciando o comportamento de milhões de seguidores constituem o uso de um discurso para criar zonas de morte?

O comportamento do presidente

Na sexta (18), a reportagem do NG conversou com o professor e pesquisador Luiz Ademir de Oliveira, ligado ao Departamento de Comunicação da Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ) e ao Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal de Juiz de fora (UFJF). Ele dedica-se às estudos na área de comunicação e política.

De acordo com o professor, analisar o comportamento do presidente Jair Bolsonaro e de seus seguidores com as “motociatas” é relacionar diretamente com o negacionismo científico: para ele, isso é ignorar que o país vive a pior fase da pandemia da Covid-19, que está próximo de ter matado 500 mil pessoas no Brasil e infectado quase 20 milhões de pessoas, fora os casos subnotificados.

“Sabemos que a vacinação, que hoje atinge menos de 30% da população, está longe de resolver o problema da pandemia no país. Talvez no final do ano a vida comece a voltar ao normal, mas ate lá continuam valendo as recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS) e da comunidade científica – isolamento social, uso de máscaras e medidas mais duras até termos uma redução das taxas de mortalidade e de infectados”, declarou.

Oliveira confirmou que o posicionamento do presidente se assemelha com o que Achille Mbembe cunhou como necropolítica, cujo conceito ele explica mais detalhadamente.

“É justamente formas modernas de subjugar o poder da morte. Segundo o filósofo, é a capacidade de definir quem importa e quem não importa, quem é ‘descartável e quem não é’, assim como a maneira que viverão e morrerão”, relatou.

Luiz destacou que, segundo o conceito de Mbembe, o Estado, ou instituições delegadas por ele, passa a ter o poder de escolher quem deve viver e quem deve morrer.

“Discute-se quem será atendido e terá direito à internação na UTI enquanto outros ficam sem assistência necessária, configurando uma situação típica da necropolítica, quando o Estado acaba decidindo que podem sobreviver e quem está condenado a morrer”, relembrou.

O estudioso pontuou que é justamente essa a realidade que vivenciamos diariamente no caso da Covid-19, com a superlotação dos hospitais. “Quem terá uma vaga na UTI? Quantos morreram por falta de oxigênio em Manaus? Quantos estão sem emprego e também estão morrendo de fome porque o Estado está ausente? Quantos morreram porque o governo não teve uma política eficiente de combate à pandemia e nem um plano de vacinação?”, questionou.

Imagem: Duke / reprodução

De acordo com ele, nem o filósofo Nicolau Maquiavel preveria uma crueldade tão grande quanto fazer aglomerações, promover “motociatas” ou quaisquer manifestações, enquanto famílias choram por seus entes que faleceram.

“Assim como Bolsonaro, são responsáveis todos que compactuam com o seu posicionamento, como é o caso de empresários que visam lucros e queriam a abertura da economia, mesmo quando se tem muitos casos de infectados e mortos”, afirmou.

Caso Marluvas

Para o pesquisador, a empresa de equipamentos de segurança presentear o presidente com um par de calçados para seus passeios de moto é muito expressivo em relação à necropolítica. Só na matriz, em Dores de Campos, a empresa teve dez colaboradores mortos por Covid-19, além de ter sofrido um surto da doença, que causou o afastamento de dezenas de outros colaboradores.

“É simbólico, é constrangedor. Por que não doa cestas básicas para dezenas de famílias da cidade e da região que passam fome? Por que não doa dinheiro para instituições que estão precisando de dinheiro para manter idosos, crianças portadoras de deficiências? Seria muito mais útil e não estaria compactuando com uma política que condena muitos à morte”, elenca.

Ao final da entrevista, Luiz Ademir fez um desabafo. “Bem, mas falar em necropolítica deve ser ‘coisa de comunista’ para empresários que sequer têm a noção do que é bem público, o que é interesse coletivo, numa sociedade cada vez mais individualista e predatória”, concluiu

Reação de colaboradores e consumidores

Nos comentários das publicações do vídeo nas redes sociais, foram diversas as manifestações de colaboradores e consumidores indignados com a ação – que a própria empresa declarou se tratar meramente de “estrito apelo comercial”.

Em muitos dos comentários, internautas destacaram o fato curioso de um gerente de uma empresa de segurança estar em uma aglomeração sem utilizar máscara.

Confira, abaixo, comentários de consumidores e colaboradores da empresa:

  • “Eu como trabalhador da Marluvas deixo aqui a minha indignação, tivemos mortes lá na empresa por conta dessa pandemia em que foi negada a compra de vacinas pelo presidente. Alias, o uso da máscara na empresa é obrigatório, e aqui vemos o representante sem a máscara em meio a uma aglomeração. É uma vergonha, hipocrisia, na empresa eles fazem reunião com a gente falando sobre o protocolo da Marluvas contra o Covid, e agora um dos representantes protagoniza uma cena dessa… Vergonhoso”.
  • “Esse aí é o mesmo cara que certo dia chamou nós, funcionários, na cara, de bando de pobre, que não viaja e pega covid e ele, que viaja pra todo lado, não pega”.
  • “Trabalhei tantos anos aí pra hoje ver um vídeo desse e ficar com uma tristeza danada ! Que m**”.
  • “Um tanto quanto irônico uma marca de equipamentos de SEGURANÇA usar como “apelo comercial” um indivíduo que vai na contramão da seguridade… Anti-vacin, não usa máscara, não usa capacete dentre um milhão de atos irresponsáveis… O Marketing da Marluvas vacilou feio nessa”.

O vídeo também obteve grande repercussão na página do NG no Facebook e no perfil no Instagram.

Posição da empresa

Confira, abaixo, a nota da empresa enviada ao Notícias Gerais, na quinta, sobre o fato:

A Marluvas vem a público esclarecer quanto ao vídeo em que um colaborador entrega um calçado para o Presidente da República, Jair Bolsonaro. Este fato teve estrito apelo comercial, com fins a apresentar ao executivo uma linha específica de produto, algo comum no ambiente de negócios e que já fora realizado em diferentes momentos, envolvendo outras autoridades públicas.

O encontro com o presidente foi circunstancial e de modo algum faz referência à apoio ideológico, nem simboliza o consenso de todos os mais de 3 mil colaboradores que compõem a companhia. Tampouco representa o posicionamento político da empresa ou está atrelado aos valores corporativos.


Inserida em uma sociedade rica e plural, com cidadãos de diferentes convicções políticas, sexo, idade, religião, cor, estado civil, entre outras orientações e situações, a Marluvas defende a liberdade de expressão e associação, não sendo conivente com qualquer ato que atente contra os princípios da Constituição Federal e a Declaração Universal dos Direitos Humanos.

3 COMENTÁRIOS

  1. Graças a Deus temos na nossa região empresas como essa, empresas que produzem, geram renda e respeitam as opiniões plurais. Isso é respeito a democracia e cumprimento de seu dever social.
    Minas Gerais agradece à Marluvas.

  2. Vocês também fazem parte da mídia podre?
    É muito mimimi por conta de uma propaganda bem feita pela marluvas. Com ou sem o presente o presidente vai continuar com suas idéias, vai continuar andando de moto.
    Será que é falta do que publicar que vocês, estão dando tanta ênfase a esse episódio???

  3. Esse posicionamento da empresa é uma falta de respeito com os funcionários e com à população em geral que sofre com o COVID. Uma empresa respeitada da região passou a ser vista com desconfiança depois da brilhante estratégia de marketing sem viés ideológico.

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