Início Cultura GUIA CINÉFILO: O CINEMA NOVO E NOSSO

GUIA CINÉFILO: O CINEMA NOVO E NOSSO

Lucas Maranhão *

Na última sexta, 19/06, foi o Dia do Cinema Brasileiro. O dia não foi tão comemorado pela mídia em geral, foi esquecido pelo governo e tão pouco lembrado pelo público. Um reflexo do que as produções cinematográficas nacionais representam para a maior parte dos brasileiros. É realmente triste que haja os que se cegam diante de outras culturas e ignoram a riqueza cultural do nosso cinema. Uma verdadeira pena que tenhamos incríveis obras em nossa história, mas que sempre são realizadas em situações de desvalorização, falta de financiamento e preconceito. A maioria dessas obras nem será assistida por boa parte do povo, se tornando esquecidas – principalmente aquela parte do povo que não consegue reconhecer suas origens e entender sua história.

O Cinema Novo é, provavelmente, o maior exemplo de movimento cinematográfico brasileiro que é mais valorizado no exterior do que em nossa terra. Informalmente liderado por Glauber Rocha, o Cinema Novo tinha uma certa organização interna, podendo até ser dividido em três fases bem distintas – em forma e estilo. Porém, algumas características unem os três momentos: o mergulho nas entranhas da sociedade brasileira e o forte posicionamento político, por exemplo.

1ª Fase – Estética da Fome

Deus e o Diabo na Terra do Sol (Rocha, 1964)

A tese-manifesto “Uma Estética da Fome” de 1965, escrita por Glauber Rocha, descreve precisamente a primeira fase do Cinema Novo. Rocha buscava um cinema revolucionário, não só no Brasil, mas em todo “Terceiro Mundo”. Um cinema que, segundo ele, dependia da libertação da América Latina.

Em sua primeira fase, o Cinema Novo era idealista. Apresentava as mazelas da sociedade brasileira, mas com a confiança de que, ao apresentá-las e discuti-las, seria capaz de solucioná-las.

Os filmes da primeira fase sempre apresentam temas relacionados à fome, de maneiras diversas. Em Os Fuzis (1964), de Ruy Guerra, um grupo de policiais é enviado a uma pobre cidade para proteger um depósito de alimentos de moradores esfomeados. Já no filme mais famoso da fase, sem dúvidas, Deus e o Diabo na Terra do Sol (1964), de Glauber Rocha, as explorações econômicas e religiosas são apresentadas como causas da mazela.

Em estilo, a primeira fase possui fortes inspirações no neorrealismo italiano, mostrando a realidade crua, sem uso de estúdios e equipamentos desenvolvidos. Também por isso, os filmes foram muito bem recebidos na Europa, na medida em que eram apresentados em festivais de cinema.

2ª Fase – Ressaca de Golpe

O Bandido da Luz Vermelha (Sganzerla, 1968)

No ano em que Os Fuzis e Deus e o Diabo na Terra do Sol eram lançados, o Brasil sentiria o choque de um golpe de Estado, que transporta o país para uma situação de autoritarismo e fascismo. O evento não deixaria de influenciar os artistas do Cinema Novo. Percebemos que o golpe deu ao movimento um caráter de desilusão, no lugar do idealismo e de angústia, no lugar do otimismo.

Terra em Transe (1967), de Rocha, é o melhor exemplo. Servindo como alegoria para uma nação latino-americana, o fictício país Eldorado sofre tanto na mão dos conservadores religiosos quanto na mão dos populistas. O filme deixa a amarga impressão de que nossos problemas políticos e sociais, derivados do colonialismo, nunca terminarão.

Outro grande destaque, O Bandido da Luz Vermelha (1968), de Rogério Sganzerla, apela para a figura do criminoso, que em meio à desordem social, parece entender melhor o Brasil do que a sociedade conservadora. O filme é situado na área pobre de São Paulo conhecida como Boca do Lixo e usa o personagem de Paulo Villaça como agente das perturbações econômicas: o ladrão que sai da pobreza para roubar mansões de luxo.

Se antes o neorrealismo era a principal influência, a segunda fase busca outro movimento europeu como inspiração: a Nouvelle Vague, de Truffaut, Godard e Agnes Varda. A narrativa experimental do cinema francês combina perfeitamente com as mudanças da segunda fase: além da desilusão na política, os filmes passaram a adotar cenários mais urbanos.

3ª Fase – Tropicalismo

O Dragão da Maldade Contra o Santo Guerreiro (Rocha, 1969)

Em sua terceira fase, o Cinema Novo ganha as cores do tropicalismo. Os comentários políticos e sociais ainda estão lá, mas agora os filmes também refletem a diversidade da cultura e folclore brasileiro. Mais uma vez Glauber Rocha surge: em 1969, lança O Dragão da Maldade Contra o Santo Guerreiro, ou simplesmente Antônio das Mortes. O filme é praticamente um spin-off de Deus e o Diabo na Terra do Sol, acompanhando a história do jagunço Antônio das Mortes. Porém, esteticamente, seria impossível falar em dois filmes tão diferentes que tratam de um único personagem. Se Deus e o Diabo é um filme neorrealista, Antônio das Mortes adota uma estética mais fabulosa, colorida e irreverente.

Outro filme deste período é Macunaíma (1969), de Joaquim Pedro de Andrade, adaptado do livro de Mário de Andrade, que viaja por diversos aspectos da sociedade brasileira, servindo como uma amálgama da mesma. Já em Como Era Gostoso o Meu Francês (1971), o diretor Nelson Pereira dos Santos mostra o compromisso da terceira fase com a diversidade ao fazer um filme praticamente todo falado em Tupi-Guarani.

Infelizmente, enquanto os artistas do Cinema Novo pareciam capazes de expandir seus estilos e se renovarem, a Ditadura Militar estrangulava o cenário artístico no Brasil. Assim, o movimento chegou ao fim e nunca viria a ter o devido reconhecimento. O cinema no Brasil se marginalizou ainda mais e passaria pelo pior momento de sua história com a censura. Mesmo assim, nunca deixou de criar grandes obras.

Valorize nosso cinema. Ele é um verdadeiro tesouro.

  • É jornalista, designer e apaixonado por cinema.

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