Início Cultura GUIA CINÉFILO: MEL BROOKS, GENE WILDER E A ARTE DA PARÓDIA

GUIA CINÉFILO: MEL BROOKS, GENE WILDER E A ARTE DA PARÓDIA

Lucas Maranhão *

Atualmente, aposentado e perto de completar 94 anos de idade, Mel Brooks pode se vangloriar do fato de ser um dos cineastas que mais brincou com os diversos gêneros do cinema. Como roteirista, diretor e até mesmo ator, ele não só adotava diferentes temas e gêneros, transformando-os em comédia, como também utilizava um fino apelo crítico que – em certos momentos – fez com que toda a indústria repensasse suas próprias atitudes.

Afinal, é isso que fazem as grandes paródias. O termo, amplamente usado, muitas vezes perde o seu valor. A paródia não é só uma releitura cômica de outra obra, mas atinge o seu maior potencial quando consegue usar o humor para comentar e criticar a fonte de inspiração. Disso Mel Brooks entendia bem. Usando de muita criatividade, ele foi capaz de explorar os mais variados gêneros do cinema norte-americano e criar algumas das cenas mais absurdas e engraçadas já filmadas.

O cinema mudo foi alvo em Silent Movie (1976). Alfred Hitchcock vira piada em Alta Ansiedade (1977). Para os épicos, Brooks cria A História do Mundo – Parte I (1981). Porém, sem dúvidas, seus maiores sucessos vieram das parcerias com o grande Gene Wilder: a paródia musical Primavera para Hitler (1967), o faroeste Banzé no Oeste (1974) e o terror O Jovem Frankenstein (1974).

PRIMAVERA PARA HITLER

É compreensível a dificuldade que Brooks teve para conseguir financiar seu primeiro longa-metragem. Apesar de, nesse momento, já ter sucessos em seu currículo (foi um dos criadores da série de TV Agente 86), Primavera para Hitler fazia piada com um tema, até então, considerado fora de cogitação: o nazismo.

Ele não foi o primeiro a fazer isso. Chaplin já havia lançado seu O Grande Ditador (1940) décadas antes, porém Brooks vai além. Ele decide misturar Hitler e o musical. A narrativa acompanha a história de um produtor de teatro falido (Zero Mostel) e seu contador (Gene Wilder) que, ao descobrirem que podem fazer mais dinheiro com uma peça fracassada do que com um sucesso, começam uma busca pela “pior peça já escrita”. Assim, encontram “Primavera para Hitler”, que só poder ser descrita como “uma carta de amor ao Fuhrer”. O fim da Segunda Guerra Mundial tinha pouco mais de 20 anos e estampar o rosto do ditador no cenário foi um enorme choque para o público na época.

Muitos consideravam a ideia de mau gosto, mas com o passar do tempo, fica mais claro que Brooks queria era usar a paródia como forma de crítica. Sendo judeu e veterano da Segunda Guerra, ele queria “dar o troco” aos anti-semitas ao ridicularizá-los. Em suas próprias palavras: “Eu acho que você pode derrubar governos totalitários mais rapidamente usando o ridículo do que com os insultos”.

A criatividade com que desenvolveu o argumento deu a Brooks o Oscar de Melhor Roteiro. Posteriormente, o roteiro seria adaptado para uma peça de teatro de enorme sucesso na Broadway. O filme também marca sua primeira colaboração com Gene Wilder, um desconhecido até então. O ator ainda viria a encontrar o estrelato, não só ao lado de Brooks, mas ao interpretar Willy Wonka em A Fantástica Fábrica de Chocolate (1971) e em parcerias com Richard Pryor.

BANZÉ NO OESTE

Banzé no Oeste (Brooks, 1974)

Mel Brooks precisaria esperar sete anos para emplacar um novo sucesso, e, novamente, voltando a tocar em temas “importantes demais para virarem piada”, dessa vez o racismo. Visitando o velho oeste, Brooks se junta a Richard Pryor (outro genial comediante da época) para desenvolver o roteiro sobre Bart (Cleavon Little), um homem negro que é escolhido para ser xerife de uma pequena cidade. A nomeação, na verdade, é uma armadilha imposta por um empresário chamado Ridley Lamarr, que quer aquelas terras para ele. Ridley espera que ao nomear Bart como xerife, a própria população da cidade o mate.

O roteiro de Banzé no Oeste se desenvolve em torno do conservadorismo da sociedade americana poucos anos depois do fim da escravidão. Gene Wilder interpreta Jim “the Waco Kid”, uma fusão de Billy the Kid com o “pistoleiro sem nome” de Clint Eastwood, que se torna braço direito do xerife Bart.

O roteiro é deliciosamente divertido, passando de cenas de absurdo ao non-sense com leveza. O carisma do protagonista é um dos responsáveis por isso, Cleavon Little transforma Bart em um sujeito irresistível. As doses de quebra da quarta-parede também valem destaque, surgindo aos poucos até culminar na fantástica sequência final.

O JOVEM FRANKENSTEIN

O Jovem Frankenstein (Brooks, 1974)

O ano de 1974, com certeza, foi gigante para a dupla Brooks-Wilder. Além de Banzé no Oeste, também foi o ano de lançamento de O Jovem Frankenstein. Dessa vez, Gene Wilder não só atua, como também é co-roteirista ao lado de Brooks. O resultado é um fantástico exercício do gênero terror, mergulhado em humor.

O filme acompanha o bisneto do famoso Dr. Frankenstein, um neurocientista tão envergonhado da sua herança familiar que muda seu nome para “Fronkensteen”. Filmado em preto e branco, o filme é mais do que um filme de comédia. Adota diversas convenções do gênero terror para subvertê-las. Nada passa batido: a criatura inominável, o castelo cheio de segredos, o servo leal e deformado e até o barulho de trovão que sempre aparece no momento adequado, todos sarcasticamente inseridos em um contexto teatral.

O Jovem Frankenstein e os demais filmes citados nos mostram a versatilidade de Brooks. Uma coisa na arte é certa: para quebrar regras, você precisa conhecê-las e dominá-las antes. Sendo assim, talvez subestimemos Mel Brooks como um artista limitado à paródia. Suas incursões por uma extensa lista de gêneros do cinema e suas narrativas provam o contrário. Talvez fosse um cineasta cansado de convenções e padrões, que, em vez de insultá-los, preferia ridicularizá-los.

  • É jornalista, designer e apaixonado por cinema.

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