Início Gerais Cotidiano ESPECIAL BRUMADINHO: UMA HISTÓRIA DE PERDAS, DANOS E SOBREVIDAS

ESPECIAL BRUMADINHO: UMA HISTÓRIA DE PERDAS, DANOS E SOBREVIDAS

Gabriel e Pretinha, no dia da tragédia, abrigados na UPA, esperando condições favoráveis para voltar para casa. Foto: Arquivo pessoal

Lucas Guimarães
Especial para o Notícias Gerais

Gabriel Corrêa é morador de Brumadinho. Recém formado em Engenharia Mecânica, o jovem trabalha desde 2014 no Instituto Inhotim, e em janeiro de 2019 tinha tirado férias. Dias depois de voltar de uma viagem com a namorada, Gabriel, com 22 anos na época, almoçava por volta de “meio dia e pouco” daquela sexta-feira, quando recebeu as primeiras informações do rompimento da barragem da mina do Córrego do Feijão. Pelo WhatsApp, Gabriel viu o status de um amigo avisando do ocorrido, e mandando todo mundo sair de casa, e, segundo o jovem, “em uma fração de segundos, a cidade virou um caos”.

Carros correndo, cantando pneu, as pessoas saindo para a rua, gritando, polícia passando toda hora, sirenes, choros. A dúvida ainda persistia sobre o que havia acontecido, se havia mesmo acontecido. Mas Gabriel relata que “pela dimensão que a informação se espalhou, estava nítido que era verdade”. A rede de telefonia da cidade ficou sobrecarregada, não era possível receber ou efetuar ligações. A casa dele era em um lugar alto e distante da barragem, aproximadamente 15 quilômetros, mas a 100 metros dali corria o rio Paraopeba, que poderia levar a lama ao local. Gabriel, que mora com a mãe de 52 anos, se aprontou, combinou com o primo, e partiram juntos para um lugar mais seguro.

Na frente, o primo Guilherme levou de carro a mãe de Gabriel, que na época estava desempregada, por isso se encontrava em casa, a cachorra dele Bela, e Pretinha, cachorra de Gabriel, uma vira-lata adotada que na época tinha cerca de 3 anos. Gabriel foi de moto atrás, depois de pegar documentos e pertences pessoais. O lugar alto escolhido para se protegerem foi a UPA, lá, eles tentaram entrar em contato com os parentes, com enorme preocupação, já que muitos trabalhavam na Vale. Os meios de tentar localizar alguém eram as redes sociais, onde pipocavam postagens de desaparecidos, fotos, pedidos de contato e última vez que foram vistos. 

Gabriel Corrêa tinha saído de casa com cerca de 20% de bateria no celular apenas. Depois de quatro horas na UPA eles puderam voltar para casa, ainda sem notícias dos parentes, acompanhando tudo pela televisão. De noite a polícia passou novamente com sirenes, mandando evacuarem as casas que uma nova barragem tinha cedido. No desespero, agora foram para uma escola, onde ficaram por quase toda a madrugada. Durante o sábado e domingo, Gabriel, sua mãe e sua cachorra continuaram revezando entre sua casa, toques de evacuação, e locais externos de maior segurança. 

Além de vários conhecidos, Gabriel perdeu três primos, uma prima e um amigo no acidente. Ele preferiu não os identificar. Os primos cresceram junto com ele em Monte Cristo, pequena comunidade próxima de Brumadinho, onde Gabriel morou até os 12 anos. A idade dos primos batia mais com a de seu irmão, 9 anos mais velho do que ele.

“Na época (que morava no Monte Cristo) a gente tinha contato quase todo dia, porque o pessoal vivia na minha casa, e da Tia Conceição, avó de todo mundo, minha tia-avó. A casa era um ponto de encontro” – relata Gabriel. Já o amigo, era irmão de um outro colega de Gabriel, que frequentava bastante a casa. Os cinco eram trabalhadores da Vale.

“Sentou família para reunir, esse assunto vem sempre. Pode reunir sete vezes por semana que sempre entra assunto da Vale, as pessoas que morreram… isso ficou muito marcado, principalmente para as pessoas mais velhas”, afirma.

O luto reduziu o contato entre os parentes. Gabriel recebe notícias dos pais, tios e esposas das vítimas, mas não os vê com a mesma frequência. Segundo o jovem, alguns destes parentes ficaram um tempo sem sair de casa, tiveram casos de depressão, e que, à distância, parece que perderam a vontade de viver. O desastre causado pela Vale foi um trauma para a população de Brumadinho. “O índice de suicídio aumentou, as notícias chegam constantemente para a gente, aumentou a compra de remédios controlados por tarja preta. No início a gente não achava psicólogo ou psiquiatra disponível para marcar”, lembra, com pesar, o jovem.

Rosângela, mãe de Gabriel, foi uma das pessoas que passou a tomar antidepressivos depois da tragédia. O filho conta que ela já sofria de depressão controlada, mas os acontecimentos de janeiro de 2019 agravaram o quadro, necessitando de um acompanhamento psicológico e psiquiátrico. Gabriel e Rosângela entraram na justiça contra a Vale por danos morais e psicológicos. A Tia Conceição, matriarca da família já com 85 anos, que perdeu sobrinhos, filhos e netos, também adoeceu com o desastre.

Os parentes próximos de Gabriel, que tiveram perdas de irmãos, filhos e pais, já obtiveram as indenizações pela justiça. Alguns receberam o acordo estipulado ainda em 2019 pela Vale, om um valor padrão. Gabriel conta que o acordo era visto como injusto, já que não levava em conta as particularidades de cada família: “Não dá para você fixar um preço em uma vida, cada caso é um caso”. Assim, muitas famílias recusaram o acordo firmado pela Vale e optaram por entrar particularmente na justiça contra a empresa, pedindo outros valores de indenização. Há, ainda, um valor de auxílio emergencial de um salário mínimo que a Vale paga a cada cidadão atingido pelo rompimento da barragem. Em 2020 o valor caiu pela metade. 

“Não tem preço para o que eles fizeram, ninguém foi preso, nenhum responsável foi punido, o único jeito de uma empresa sentir um pouco é mexendo no bolso. Não tem como trazer um filho de volta, um irmão de volta”, avalia.

“Tudo isso é bem revoltante”

Gabriel ainda atenta para como essas empresas pensaram e pensam só no lucro: “As ações da Vale subiram de novo. No final do ano passado teve uma matéria sobre o lucro da Vale, que foi gigantesco, um ano após a tragédia. Os acionistas tiveram bonificação entre eles pelo lucro ter sido muito alto. Tudo isso é bem revoltante”. A matéria citada foi publicada em dezembro de 2020, quando a Vale anunciou distribuição de 7,2 bilhões a acionistas, causando protestos em Brumadinho. 

Gabriel Corrêa, por fim, cita que essa ferida nunca será cicatrizada, e não tem projeto da Vale que melhore a imagem da empresa com a população de Brumadinho: “Ninguém aqui consegue falar da Vale sem ter um mínimo de rancor e ódio por ter acabado com as vidas”.

Gabriel e Rosângela Corrêa em 2017, antes do desastre. Foto: Acervo pessoal

2 COMENTÁRIOS

Deixe uma resposta para ESPECIAL BRUMADINHO: LUTO, CICATRIZES E INJUSTIÇAS MARCAM OS 2 ANOS DO CRIME AMBIENTAL QUE CUSTOU 270 VIDAS | Notícias Gerais Cancelar resposta

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui