Vinícius Mahier*
somos todos uns desesperados
já dizia buda
tudo o que eu queria era ir pra disney
já dizia buda
navegar é preciso e eu não sou muito preciso
já dizia buda
minha vida é um filme do tarantino
já dizia buda
não sou fã de correntes mas essa é do amor
já dizia buda
vire à esquerda e segue toda vida reto
já dizia buda
eu não faço ideia onde vai dar essa merda
já dizia buda
keep calm o caralho
já dizia buda
buda disse tudo
eu não tenho o que dizer
– – – – –
se as tuas pernas saíssem correndo
e o resto do corpo ficasse,
teu resto de corpo
ficaria parado
mas orgulhoso, ao ver
as pernas, ainda que
aos tropeços, seguindo em frente
conforme o destino
de todas as pernas
e aos soluços
teu resto de corpo ficaria
só a metade de uma coisa inteira
e não se espera que as pernas
olhem pra trás, apenas
que se virem
pernas, por que me abandonastes
se sabias
que eu não era alto
o suficiente
sem vocês?
pernas, sem vocês
o meu umbigo não é mais
o centro
e as pernas do rapaz
ao lado só não passam a ser
as minhas porque são as pernas do rapaz
ao lado
pernas, peço a ambas
que me perdoem
pelas vezes que as olhei
de cima ou julguei
como de pernas pro ar
o que estava apenas de cabeça
pra baixo
pelas vezes que as privei
do chão
só pra trocar uma lâmpada
eu montei em vocês
como se monta
num burro
mas não pus ferraduras
apenas sapatos
que julguei
confortáveis
pernas, a sinuosidade
não é
uma constante
são só as ruas
de são
joão del-
rei
sem jogo de cintura
vocês não vão muito longe
pernas, eu jamais
ficaria de braços cruzados
vendo vocês fugirem
mas sem vocês
eu não posso ir atrás
de vocês
a menos que apareça um táxi
aí eu pego e digo
de uma vez por todas
siga aquelas
pernas!
são minhas.
– – – – – – –
dialética
tem dias que a gente se sente
o meme do chico buarque
– – – – – – –
todo mundo em pânico
nunca tropece em um filme de terror.
jamais, em hipótese alguma, fuja pelas escadas.
se o telefone não liga, não se desespere.
se o carro não pega, desconfie.
se você tropeçar
tudo bem
acontece
se fugir pelas escadas
tudo bem
são escolhas
eu sei que o medo faz a gente tomar decisões erradas
mas não perca tempo
corre, corre o máximo que você consegue
para aqueles que te assistem
o mínimo que se espera
é que você corra
então corre
corre! ainda que você tropece
corre! ainda que você fuja pelas escadas
corre! ainda que o telefone não ligue
ainda que o carro não pegue
ainda que você tenha bebido
ainda que você tenha trepado
não se dê por vencido
corre! corre o máximo que você consegue
não olhe para trás.
não volte para tirar a máscara do assassino.
nem pense que você pode matá-lo.
você não pode.
o assassino é mau
é feio
e não morre
corre! corre o máximo que você consegue
o assassino te alcança
mas desaparece
e é provável que ele esteja brincando
com a tua cara
corre! corre que você consegue
o assassino tem uma faca
um gancho
um machado
uma serra elétrica
você tem o quê?
vontade de continuar vivo?
você percebe que por mais que você corra
o assassino é muito mais rápido?
você entende que a esperança é um roteiro
muito preguiçoso?
– – – – – – –
distanciamento estético
geraldo tinha um bar
eu tenho um bar, dizia o geraldo
mas o geraldo era triste
muito triste, triste de dar dó
pena do geraldo
mas o geraldo era forte
muito forte, pena
que um homem inculto
fechei o bar, disse o geraldo
e foi estudar
filosofia e arte
na puc
lá conheceu o distanciamento estético
geraldo não sofre mais
quando rex, o cãozinho do geraldo
morreu, geraldo deu dez passos
para trás
e ficou contemplando
aquela cena como se fosse
o renascimento.
geraldo não sofre mais.
Biografia
Vinícius Mahier nasceu em 1994, Campo Belo (MG). Mora há sete anos em São João del-Rei (MG). Cursa doutorado em Estudos Literários, pela UFJF, e graduação em Teatro, pela UFSJ.
Espaço ArteLetra
O Espaço ArteLetra é um ambiente de divulgação e circulação de produções artísticas e literárias, em particular de produções contemporâneas nacionais. Este Espaço de exposições tem como um dos principais objetivos apresentar projetos diversificados, incentivando a participação de novos artistas e contemplando diferentes suportes e linguagens, que tanto dizem da cena atual.
Uma das intenções do Espaço ArteLetra é aproximar o público de um amplo conjunto de obras, estimulando o acesso e consumo de arte. Ao trazer essas produções para o espaço privilegiado do Notícias Gerais, queremos suscitar novos diálogos e questões latentes da nossa sociedade, contribuindo para a formação de público e troca de experiências.
O palíndromo ArteLetra, formado pelo espelhamento quase perfeito das palavras “arte” e “letra”, apenas ressalta a característica híbrida das produções contemporâneas, e a estreita relação entre as artes, palavras e mídias. Esse laço é aqui uma representação das nossas relações, da maneira como nos correspondemos, e do reconhecimento de que as manifestações culturais nos tornam mais próximos, ainda que cada qual com seu olhar.
O Espaço ArteLetra mantém um calendário regular, sendo a cada semana um/a novo/a artista convidado/a.
Fiquem antenadas/es/os!!!
Deborah Castro, curadora.
arteletra.ng@gmail.com
