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COLUNA GUIA CINÉFILO: O NEORREALISMO ITALIANO

O giff mostra um pequeno trecho do filme A terra treme, com 4 mulheres olhando o mar, cabelos e vestimentas tremulando ao vento.
A Terra Treme (Visconti, 1948)

Lucas Maranhão *

Não é coincidência que um dos mais importantes movimentos da história do cinema tenha surgido em um momento tão pouco propício: a Itália pós-Segunda Guerra Mundial se encontrava despedaçada depois de décadas de fascismo e posterior ocupação nazista, logo antes de ser bombardeada pelos Aliados até a sua libertação.

O povo se encontrava desalentado, desempregado e desesperançoso. Não existia sequer uma indústria cinematográfica, já que os antigos estúdios haviam sido transformados em depósitos pelos alemães. Entretanto, havia uma série de artistas que urgiam por se expressar e, para isso, precisavam inventar uma forma totalmente nova de fazer cinema. E assim, mudaria para sempre essa forma de arte.

Atores profissionais deram espaço a pessoas comuns. Cenários deram espaço a locações reais. Ilusão deu espaço a realidade. Apesar de trazer, na maioria das vezes, histórias fictícias, o neorrealismo italiano conseguiu ser um registro histórico de seu período, funcionando em muito mais camadas do que apenas a narrativa – algo até então inédito e fruto justamente das dificuldades que as circunstâncias causavam. 

Em suma: o cinema neorrealista trouxe novo interesse pela cultura italiana depois de massivo domínio da propaganda fascista. Conquistou e inspirou o mundo, criando raízes por toda parte, inclusive o nosso próprio Cinema Novo, durante o Brasil da década de 60. Mas, agora que já conhecemos um pouco desse tão importante momento, por onde começar este guia? Pelo diretor que deu início ao movimento: Roberto Rossellini, o Grande Pai.

Trecho do filme Roma, a Cidade Aberta, em que um soldado nazista toca o braço de uma mulher e ela reage batendo em sua mão.
Roma, Cidade Aberta (Rossellini, 1945)

Trilogia Pós-Guerra

Também conhecidos como Trilogia da Guerra, os filmes de Rossellini, focados nos vestígios da Segunda Guerra Mundial, fundaram o neorrealismo italiano. A primeira obra, Roma, Cidade Aberta (1945), apresenta a resistência do povo italiano contra o nazi-fascismo através de membros do movimento comunista e da Igreja Católica; seguida por Paisà (1946), uma antologia de seis histórias sobre os primeiros contatos dos soldados americanos com o povo local; e, finalmente, por Alemanha Ano Zero (1948), obra em que se apresenta a moralmente destruída Berlim, através da história de um menino de 12 anos.

 O diretor inicia sua trilogia com a paranóia, seguida da libertação e, então, do isolamento. Os filmes são um ponto oposto ao heroísmo norte-americano que estamos acostumados a reconhecer no denominado cinema de guerra: trazem a visão da derrota, pela perspectiva não daqueles que davam as ordens, mas daqueles que às regras estavam submetidos. 

Trecho do filme Ladrões de Bicicleta, que mostra pai e filho caminhando pela cidade, em busca do objeto roubado.
Ladrões de Bicicleta (De Sica, 1948)

Ladrões de Bicicleta

Porém, o ápice do neorrealismo italiano – humilde opinião de quem vos escreve – é o filme de Vittorio De Sica, Ladrões de Bicicleta (1948). A história de um pai que, depois de um longo período desempregado com dificuldades para alimentar sua família, consegue um trabalho colando cartazes por toda cidade. A única exigência de seu emprego, entretanto, é possuir uma bicicleta que possa ajudá-lo na realização de suas funções. O grande ponto da obra de De Sica está no seguinte fato: em seu primeiro dia de emprego, enquanto cola alguns cartazes nas ruas romanas, sua bicicleta é roubada.

O filme se constrói quase inteiramente com o andar dele e de seu filho por uma Roma desolada, enquanto procuram pelo paradeiro da bicicleta e descobrem o que é a verdadeira natureza humana. Um filme que consegue ser extremamente angustiante, jamais sendo melodramático.

A relação pai e filho – que move a narrativa – é perfeitamente representada por dois atores amadores (Lamberto Maggiorani e Enzo Staiola, de 9 anos!) que nunca antes haviam sido capturados por uma câmera, mas entregam atuações dignas de serem lembradas eternamente. Ladrões de Bicicleta não é um filme sobre heróis ou atos de heroísmo, mas sobre a falta de esperança e desespero, profundo desespero, que aumenta ao longo da projeção até culminar na cena final – sem dúvidas, uma das mais maravilhosas já filmadas.

Outras obras importantes do Neorrealismo: Stromboli (Rossellini, 1950); Umberto D. (De Sica, 1952); A Terra Treme (Visconti, 1948).

  • É jornalista, designer e apaixonado por cinema.

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