Início Opinião COLUNA AGRIDOCE: ZEMA, “CADIQUÊ CÊ NUM DÁ UM CELULAR NOVO PROS PROFESSOR,...

COLUNA AGRIDOCE: ZEMA, “CADIQUÊ CÊ NUM DÁ UM CELULAR NOVO PROS PROFESSOR, UAI”!

Aviso: memória cheia. Limpe seu dispositivo (Foto Gil Leonardi/Imprensa MG)
Douglas Caputo

Douglas Caputo *

É com certo otimismo que observo a chegada da interatividade mediada por dispositivos digitais nas escolas públicas mineiras. O modelo desgastado do tripé cuspe, giz e lousa não corresponde mais ao perfil de boa parte da clientela que frequenta essas instituições de ensino. O paradigma tradicionalista é um desafio que toda a comunidade escolar deve superar para que haja uma educação em consonância com a contemporaneidade.

O pedagogo Paulo Freire já defendia o contexto social dos alunos como termômetro na experiência docente. Ele próprio, ao se valer da realidade de alunos do interior nordestino, obteve êxito na formação de estudantes que se encontravam defasados na idade prevista para um determinado ano letivo. A chamada “Educação Popular” foi, sobremaneira, relevante para quem estava à margem do ensino formal.

No entanto, a comunicação mediada implantada pelo Governo de Minas me inspira mais ressalvas do que condescendência com o “Regime de Estudo Não Presencial” iniciado em meados de maio. A ação da Secretaria de Estado de Educação (SEE/MG) foi como quem diz, “professores e alunos, se virem para fechar o ano letivo. Peçam internet ao vizinho, comprem celular novo, instalem parabólicas para sintonizar as teleaulas da Rede Minas, subam na goiabeira para pegar sinal de telefonia móvel”.

Embora o trabalho prossiga, alunos e professores reclamam do ensino digital imposto goela abaixo. Nessas duas pontas de interatividade, não houve a devida preparação, treinamento para que o modelo virtual funcionasse com eficiência. Feito às pressas por conta da pandemia de coronavírus, o saber empacotado em redes telemáticas virou um simulacro de aprendizagem, porque foi imposto abruptamente.

Não raro, ouço de membros da comunidade escolar a sobrecarga extenuante a que estão submetidos. O campeão das reclamações é o WhatsApp, isso porque os professores tiveram que criar grupos de estudos para atender às demandas do alunado. Um profissional da área me disse que basta uma hora longe do celular para que o aplicativo sinalize, no mínimo, 200 mensagens recebidas.

Impossível para qualquer um acompanhar o frenesi de notificações. Alguns professores, inclusive, já garantem que não há mais memória nos smartphones dado o fluxo gigantesco de mensagens recebidas. Em tom de piada e revolta, docentes pedem ao governador Romeu Zema (Novo), dono de uma rede de lojas varejistas, que dê um celular novo para continuar com as aulas remotas.

Defensor de políticas neoliberais, por meio das quais a Economia deve ser livre do Estado para motivar o progresso social, o governador-empresário bem que poderia levar a piada a sério. Ora, que diferença faria alguns celulares para quem declarou ao TSE uma fortuna de quase R$70 milhões? Dizem que o mineiro é sovina, vai ver que é por causa disso que os celulares não vão chegar para os professores.

Pelo menos não pelo capital privado, só se for mesmo por meio de dinheiro público, mas, com a quebradeira do Estado, é bom que os docentes deem seu jeito. Celular novo é um luxo frente aos atrasos na folha de pagamento dos servidores da Educação de Minas. É a velha história do Papai Noel, menino que não se comporta, faz greve, balbúrdia não ganha presente de Natal, quanto mais antecipado.

Além de toda a parafernália para garantir que os alunos tenham acesso ao mínimo do conteúdo previsto para 2020, o trabalho virtual é exaustivo. Como as atividades chegam aos montes, professores enfrentam as madrugadas geladas para corrigirem todas as lições remotas que recebem diariamente, inclusive aos finais de semana, período em que aulas regulares não estão previstas no calendário letivo.

Não por acaso o Sindicato Único dos Trabalhadores em Educação de Minas Gerais (Sind-UTE/MG) ofereceu denúncia ao Ministério Público do Trabalho e ao Ministério Público Estadual no final de maio. A instituição de classe reclama “dos graves transtornos que o Regime Especial de Atividades Não Presenciais e o Regime Especial de Teletrabalho têm trazido à categoria e, consequentemente, aos estudantes”.

Geração Z

É de enlouquecer qualquer um (Foto Katemangostar/Freepik)

Até mesmo os nativos digitais, aqueles que nasceram depois da revolução da internet, têm reclamado sobre o ensino remoto do Governo de Minas. Um desses alunos me confessou a dificuldade com o aplicativo “Conexão Escola”. Segundo o estudante, a interface e o conteúdo são confusos, o que cria desmotivação e apreensão, principalmente pelo fato do jovem ser um terceiranista prestes a fazer o Enem.  

Outro ponto que gerou repercussão negativa é o “Plano de Estudo Tutorado” (PET), uma espécie de antigas cartilhas escolares que subestimam a inteligência dos estudantes. Disponível no aplicativo e no site da SEE/MG, o material compila exercícios que devem ser feitos semanalmente, cada PET reúne trabalhos para um mês todo referentes a cada disciplina.

Uma rápida olhada nos Planos de Estudos indica sua incompatibilidade com as mídias digitais. O que era para ser um material impresso foi, simplesmente, jogado na internet, sem adaptações para esse meio de comunicação, o que é conhecido como “crossmedia”, isto é, um conteúdo que atravessa diferentes plataformas sem se moldar à sua gramática, às suas regras. Daí o desconforto diante do PET virtual.

Virtual que se tornou inatingível para boa parte dos mineiros conforme a denúncia do Sind-UTE. Isso porque a entidade quantifica que cerca 700 mil estudantes não têm acesso à internet para acompanhar as aulas remotas. Embora o governo transmita o conteúdo também pela TV, o sinal da Rede Minas não chega a 670 dos 853 municípios de Minas Gerais, segundo o Sindicato. Isso sem contar que muitos alunos da zona rural habitam desertos de conexão com a rede.

Tal cenário corrobora, ainda mais, a distância entre ricos e pobres em Minas Gerais. Pelo jeito, o ministro da Educação, Abraham Weintraub, que pode ser fritado pelo governo a qualquer momento, fez escola. Ele afirmou que “o Enem não é feito para corrigir injustiça social, [mas] para selecionar as melhores pessoas”. Na Tradicional Meritocracia Mineira, ser melhor pode ser traduzido como, é mió panhá o trem e iventá outras moda, cadiquê andá pelejano com educação é muntá no porco.

Redação Douglas

*É jornalista, mestre em Letras e professor de redação no curso SOU1000.

Os artigos e colunas publicados não refletem necessariamente a opinião do portal Notícias Gerais

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui