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ARTIGO: A DOR DE SER JORNALISTA QUANDO MUITOS NÃO CONSEGUEM MAIS LIDAR COM VERDADES

Arquivo pessoal

Tatiana da Silva Lima *

Acredito que quase todos os profissionais de jornalismo hoje vivam essa situação: em meio a crise de representatividade global, mas especialmente mais forte em países desiguais como o Brasil, você é aquele irmão, irmã, sobrinha, filho, enfim, você é o familiar que todos passaram a descredibilizar, deslegitimar… e até se tornou aquele ou aquela com quem ninguém que conversar, escutar e interagir. Especialmente pós eleições de 2018, um cenário que afeta as relações de família, seja as mais próximas ou distantes.

Com a pandemia de covid-19, esse quadro tenso e intenso piorou. Muito. Seja por conta da crise de representatividade, do descrédito nas informações vinculadas pela imprensa e/ou jornalistas, a batalha por sobrevivência e bem estar, a polarização política já em curso desde 2017 para 2018, e a polarização política da própria pandemia tanto por desinformação, distribuição de notícias falsas, pela concentração de meios de mídia no Brasil e o ápice do sistema de governo forjado na individualização dos problemas para solução das crises.

Mas, por que eu estou aqui batendo tambor para algo – ou escrevendo texto – que tenho certeza que poucos familiares vão ler e ao menos dar uma chance de escuta?

Primeiro, porque como jornalista eu tenho o compromisso ético de informar mesmo que vocês passem a me odiar, não gostem das notícias, discordem dos apontamentos, discorrem sobre outros lados e tenham já formado suas opiniões e direções que querem tomar para lidar com qualquer situação. Sim é um compromisso ético. A gente faz um juramento quando se forma. Segundo, porque eu jamais vou desistir de informar e fazer o meu dever e função social vinculada ao meu trabalho. E, por fim, porque eu quero. Eu quero conversar com minha família.

“Eu não sou uma pessoa que cursou universidade e agora é sua inimiga ou perdeu o senso de realidade. Eu sei o que cada um tá passado. Sei que, por questões de sobrevivência, cada um está tendo que lidar com a pandemia de um jeito”

Quero dizer a vocês que ao contrário do que presumo que vocês possam pensar, eu não sou uma pessoa que cursou universidade e agora é sua inimiga ou perdeu o senso de realidade. Eu sei o que cada um tá passado. Sei que, por questões de sobrevivência, cada um está tendo que lidar com a pandemia de um jeito – todas essas escolhas têm muito mais relação com a sobrevivência do que com engajamento político em beltrano ou sicrano. Sei que cada função de trabalho e estrutura de vida dos núcleos e das pessoas dessa família nos colocou em posições diferentes para lidar com a pandemia, em todos os nuances.

Porém, apesar de presumir que vocês não querem me ouvir ou me odeiam, eu preciso pedir – pelo amor e carinho que tenho a todos: sigam ao máximo que puderem os protocolos de segurança, por favor. O aumento de casos de infectados e mortos pela Covid-19 não é invenção da imprensa, de mídia nenhuma, da rede de TV B ou C. Não é invenção de qualquer mídia ou de qualquer jornalista, médico, cientista ou governos. A morte por covid-19 e casos de infecção é um fato. E pior: está acelerada.

O sistemas de controle e monitoramento do próprio estado como Cartórios, Ministério da Saúde, secretarias etc., mesmo com dados subnotificados, contam com mais de 303 mil mortos. E, para enfrentar esse novo vírus, que parece que saiu de um trailer de terror de filme de apocalipse, só tem: vacina (como solução real), distanciamento físico social, máscara e álcool 70.

Eu morro de saudades de vocês. Até dos que possuem diferenças comigo. Quero todos bem. Sei que vocês precisam trabalhar. Sei que falta políticas de acesso à renda, suporte, direitos garantidos, mas por favor eu peço: trabalhem, mas se previnem. Trabalhem, mas não achem que os jornalistas estão querendo é assustar e julguem que tudo é mentira. Trabalhem, mas tentem dentro do possível mediar, trabalhem, mas se preservem no que for possível. Acreditem nos dados!

“Nós, jornalistas, não estamos inventando uma pandemia ou usando a pandemia para quebrar politicamente o governo. Nós só estamos informando as notícias, inclusive, com dados do próprio governo. Se em alguma medida a gente começou a contar de forma alternativa casos e mortos é porque há um números subnotificados que não são insignificantes”

É importante que saibam: de dez pacientes entubados somente um sobrevive. A maior parte de vocês vai esperar muito para tomar a vacina. São os mais pobres que morrem, porque apesar de temos o SUS, nos recorremos mais tarde ao hospital por temermos nos contaminar lá e não sermos atendido adequadamente. Há uma escassez de insumos para tratamento da covid-19. Não há tratamento preventivo que previna a covid. Eu queria de verdade que existisse, mas não tem! A gente ainda não sabe explicar, por ser um vírus novo, o porquê de uma pessoa se contaminar e a outra apenas ser assintomática, ou ainda não contrair a doença mesmo tendo contato com alguém com covid. Mas, não dá para contar com a sorte e participar desse jogo macabro, desta roleta russa. Só sabemos que todo mundo, mesmo que não desenvolva sintomas, pode transmitir. Sim, no começo, os médicos erraram ao falar que não precisávamos usar máscara. Mas, os protocolos foram revistos há 10 meses. Usem agora! Distanciamento físico social é sim determinante para a queda de casos de infectados e, consequentemente, de mortos por covid-19, mas sim isso acaba com a economia o que nos deixa refém do vírus e da sobrevivência. O Brasil está com superlotação e falta de leitos e vive a maior crise de saúde e sanitária já vista em sua história, e não sou eu quem digo isso: são os dados que pulam de qualquer planilha de fontes oficiais do Estado brasileiro em letras garrafais. Eu só reporto.

Por fim, só quero dizer a vocês que eu também não aguento mais. Não aguento ter medo deixar para vocês para saber se estar tudo bem e descobrir que eu sou inimiga. Eu não aguento mais ser esquecida, evitada porque vocês acham que eu estou o tempo inteiro julgado vocês. Eu também não aguento mais não poder viajar, trabalhar fora das paredes da minha casa, lavar tudo, perder aniversários, reuniões etc. Mas, eu vejo todo santo dia os dados da covid-19. E diante deles, não me resta alternativa a não ser informar.

A pandemia me pôs a prova. Pela primeira vez em 11 anos de jornalismo, a pandemia me traz medo e pavor de informar. A pandemia me faz não querer ser jornalista. A pandemia me faz não querer ler e saber interpretar dados estatísticos. A pandemia me dá medo, sobretudo, de informar sobre os dados de sequelas e antecipação da morte. Mas, como jornalista, eu não tenho alternativa.

Já vocês têm. A escolha pode ser ignorar tudo por não querer lidar de forma séria com essas notícias, por medo, por sobrevivência, por precisar trabalhar. Porém, para se fazer qualquer uma dessas escolhas, vocês precisam de saúde e vida. Viemos e somos de uma família de trabalhadores e majoritariamente pobres. Vivemos geração a geração usando e criando estratégias de sobrevivência. Façam as suas. Usem elas. Mas, em algum nível, aceitem o fato do perigo e risco existir para vocês conseguirem mediar esse conflito diário que está sendo ganhar o pão de cada dia, sobreviver e viver. Só vivo trabalha! Só pessoas saudáveis também.

Ps.: esse texto, juro pela vida de cada um, não é uma briga ou esporro, mas sim e apenas um forte abraço e beijo no coração de cada um.

* É jornalista e repórter apaixonada por histórias. Pesquisadora de mídia e comunicação popular por luta e afeto. Da geração ensinada a narrar para sobreviver. Uma periférica que às vezes dá match na vida.

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